O Projeto de Lei aprovado na Câmara amplia a
autonomia de empresas e empregadores. A falta de uma reforma sindical, no
entanto, ameaça a representatividade
LUÍS LIMA / ÉPOCA
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A discussão sobre a reforma trabalhista foi bastante tumultuada na Câmara. Os opositores falavam em morte da CLT (Foto: Agência Câmara) |
O Brasil é líder no número de
processos trabalhistas do mundo. Em 2016, foram mais de 3 milhões de novas
ações. A judicialização reflete uma legislação rígida e uma tradição que
incentiva o empregado a tentar a sorte contra o empregador na Justiça. O país
também é conhecido pelo farto número de sindicatos. No ano passado, havia mais
de 16.500 entidades, com rendimento anual total de R$ 3,5 bilhões. Além disso,
o custo de criar um posto de trabalho no Brasil supera o registrado nos países
mais ricos do mundo e em outras nações grandes e subdesenvolvidas. Nesse
cenário que parecia propício, o governo propôs no fim do ano passado um Projeto
de Lei de uma reforma trabalhista. Os argumentos principais são modernizar a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, e facilitar a criação
de empregos no atual cenário de crise. A proposta foi aprovada nesta
quarta-feira (26) no plenário da Câmara dos Deputados.
O texto do relator, o deputado
Rogério Marinho (PSDB-RN), tem como principal pilar a possibilidade de que o
negociado entre empregador e empregado prevaleça sobre a lei -- resguardados os
direitos constitucionais, como salário mínimo, férias e direito de greve. A
proposta, que também prevê, entre outros pontos, o fim da contribuição sindical
obrigatória e jornadas de trabalho mais flexíveis, representa um avanço.
A velha CLT não concebe
relações de trabalho já comuns no país, como o trabalho de casa (home office),
o trabalho intermitente (por dia ou hora de serviço) e jornadas de até 12 horas
por dia, no limite de 48 horas por semana, comum em empresas de vigilância e
hospitais. A reforma regulamenta essas práticas. Também permite o parcelamento
de férias em até três períodos (atualmente são dois) e a possibilidade de
demissão negociada. “A reforma toca em questões pontuais, mas extremamente
necessárias. Não subtrai direitos, garantidos pelo Artigo 7º da Constituição, e
dá mais autonomia a empregadores e empregados”, diz Paulo Paiva, ex-ministro do
Trabalho entre 1995 e 1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso e professor da
Fundação Dom Cabral. “Quem diz que retira direitos, não sabe responder quais
são. O que a reforma faz é dar a oportunidade de negociar como os direitos
serão aplicados. É uma zona de ganho de ambos os lados”, avalia Hélio
Zylberstajn, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Ao mesmo tempo que a reforma
fortalece os acordos coletivos, em detrimento da legislação, ela não garante
uma melhor representatividade por parte dos sindicatos. O fim da contribuição
sindical obrigatória (correspondente a um dia de trabalho por ano) foi avaliado
positivamente por analistas ouvidos por ÉPOCA. No entanto, deveria vir
acompanhado de uma reforma sindical, com medidas como o fim da unicidade, ou
seja, a proibição de existência de mais de um sindicato por categoria, empresa
ou território, o que veta a competição. “Sem uma reforma sindical séria, que
permita que o trabalhador possa escolher a entidade que vai representá-lo, o
risco é de aumento da desigualdade salarial”, afirma Sergio Firpo, professor da
escola de negócios Insper e especialista em relações de trabalho.
Outro ponto controverso da reforma é
a regulamentação do trabalho por jornada ou horas de trabalho, o chamado
trabalho intermitente, comum entre funcionários de bares e restaurantes. Nessa
prática, o empregado tem jornadas irregulares e recebe de acordo com quanto
trabalha. Batizada por opositores de “emenda McDonald’s”, a principal crítica é
que ela coloca os assalariados à mercê da oscilações diárias das necessidades
dos empregadores. Segundo os especialistas, o texto tem salvaguardas, como o
recebimento pelas horas ou diária, FGTS, Previdência e 13º salários
proporcionais. No contrato, o valor da hora de trabalho não pode ser menor que
uma hora de salário mínimo e o empregado deve ser convocado com pelo menos
cinco dias de antecedência. Após pressão de algumas categorias, o relator
proibiu essa modalidade de contrato para categorias regidas por leis
específicas, como aeronautas, empregadas domésticas e motoristas de
caminhão.
No caso da terceirização, já aprovada de forma
ampla e irrestrita em outro Projeto de Lei, Marinho criou duas salvaguardas. A
primeira é que um trabalhador com carteira assinada não pode ser demitido e
voltar a trabalhar na mesma empresa como terceirizado (empregado por outra
companhia) nem como pessoa jurídica (diretamente) num prazo de 18 meses.
Durante as audiências públicas na
comissão especial da Câmara, deputados da oposição acusaram as medidas de
precarizar as relações trabalhistas, justo em meio à mais profunda recessão já
enfrentada pelo país. Também afirmaram que o país já atingiu pleno emprego com
as regras atuais, durante o governo Lula, e que, portanto, a “rigidez” da atual
legislação não causa o atual desemprego. Isso é verdade. “O que gera
emprego é crescimento. Mas ela [a legislação trabalhista] permite o acesso ao
trabalho mais eficiente, com mais produtividade e, consequentemente, mais
emprego”, explica Paiva. Por isso o governo não pode se eximir de
implementar melhorias variadas que permitam ganhos de produtividade – uma
estratégia que teria reflexos diretos em toda a economia. Maior eficiência
faria o mercado de trabalho reagir mais rapidamente à estabilização da
economia. “Como as leis são rígidas, demora muito para o mercado melhorar ou
piorar. Torna-se, portanto, menos dinâmico”, explica Leonardo Siqueira,
analista da GO Associados.
Contrário à reforma, o
presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(Anamatra), Germano de Siqueira, diz que ela “fecha as portas do Judiciário”
e “está muito desconectada do sentimento popular”. Siqueira foi
pessoalmente à Câmara nesta quarta-feira (26) e reclama que não houve diálogo
suficiente para a construção do texto de Marinho. Também contrária à reforma
está a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No plenário da Câmara, a votação
foi tumultuada, com muito bate-boca. Deputados da oposição seguravam cartazes e
caixões com a inscrição “CLT”.
Após a aprovação, por 296 votos
favoráveis e 177 contrários, a matéria segue para o Senado. O resultado serve
para o governo avaliar o terreno que aguarda a votação da reforma da
Previdência, a mais importante e próxima da lista. Nesse caso, o consenso é
mais difícil e o sucesso incerto. Diferentemente de Projeto de Lei, no caso da
reforma trabalhista, a Emenda Constitucional da reforma da Previdência exige
aprovação em dois turnos, nas duas Casas do Congresso, com ao menos três
quintos dos votos (o que, na Câmara, corresponde a 308 votos).
Em sintonia com a insatisfação
popular, também cresce no Congresso a resistência a mudanças impopulares. A
direção do PSB, sétima maior bancada da Câmara, com 35 cadeiras, fechou questão
contra as reformas de Temer. Outros partidos podem seguir o exemplo,
ameaçando seus parlamentares com punições, que variam de advertência a
expulsão. A proximidade das eleições de 2018 fortalece o apelo do discurso
populista que afirma defender os trabalhadores, os aposentados e os mais pobres
– mas que se exime de fazer propostas que tornem as contas públicas e os
benefícios sociais viáveis no longo prazo.
Sindicatos e outros movimentos
sociais convocaram uma greve geral para a próxima sexta-feira (28), que pode
afetar o transporte público, escolas, bancos e fábricas. Entraves à aprovação
de reformas, das quais dependem a retomada econômica, podem alongar ou mesmo
inviabilizar o sucesso do ajuste fiscal da equipe econômica de Temer. Em risco,
está a frágil situação econômica, que ensaia uma retomada, mas que pode
facilmente desviar de rumo, a depender de ventos contrários vindos de Brasília.
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